Legado: Mario Cravo Jr - 100 Anos

A exposição "Legado: Mario Cravo Jr - 100 Anos" marca o centenário de nascimento do artista, que foi um dos precursores do modernismo baiano e uma das principais referências de sua geração. Mariozão - como ficou conhecido no meio - transitou livremente entre a pintura, o desenho, a gravura e sobretudo a escultura, em distintos tamanhos, suportes e materiais. Sua produção e presença na cena cultural atravessaram gerações e fazem parte da construção imagética da Bahia.

Maria Helena - Diretora do Museu

A mostra é composta por uma parte das obras que foram doadas pelo artista ao Estado baiano em 1994, resultado de uma longa relação que estabeleceu com o poder público ao longo de sua trajetória. O conjunto foi transferido por ocasião da criação do Espaço Cravo, localizado dentro do Parque de Pituaçu, que é público e estadual, onde funcionou uma galeria de exposições, um escritório e o ateliê do artista. Nesse processo foram incorporadas 109 grandes esculturas de ferro, que seguem instaladas na área externa de Pituaçu, e quase 700 obras menores, de diferentes suportes e técnicas, que eram expostas periodicamente ou guardadas no Espaço Cravo. Oitenta por cento dessas obras são "papéis" - gravuras, desenhos e estudos - que estavam em mapotecas, e, que nesse momento estão passando por um processo de catalogação e de higienização ou restauro, de acordo com cada necessidade, portanto não foram incluídas na mostra. Apresentamos uma seleção das pinturas, em acrílico sob Eucatex, datados dos anos 1980 até 1994 e ainda um pequeno grupo de esculturas de madeira, acrílico e pedra sabão de dimensões variadas.

As pinturas, menos vistas e conhecidas, transitam entre uma figuração livre e uma abstração expressiva, e foram agrupadas de acordo com essas características e reunidas por meio de aproximações pictóricas e cronológicas. Algumas parecem terminadas, outras parecem estudos cujas paletas de cores e cadências das pinceladas se repetem com certa frequência. Na maioria dos trabalhos, sobretudo nos abstratos, fica evidente um desejo de experimentação formal que emana ainda a visualidade estabelecida pela historicidade moderna. Traços livres e fortes de tons pastéis e contrastes equilibrados criam paisagens que misturam harmonia e caos. Nas pinturas figurativas, incluindo os autorretratos, é possível perceber ainda referências da cultura popular com uma dose de humor escrachado.

A exposição marca ainda a transferência da salvaguarda dessas obras para o MAM Bahia, após saírem do Espaço Cravo e passarem um período provisório na reserva técnica do Palacete das Artes. O movimento faz parte de uma reorganização e de uma revisão histórica dos acervos museológicos do IPAC que se encontram em curso, e que ganharam força a partir de 2023 com a criação de um comitê que realiza a gestão dos museus vinculados à instituição de forma transversal.

Com relação ao legado deixado por Mario Cravo Jr. não existiram dúvidas sobre a conexão de sua obra com o MAM Bahia. Sua trajetória, pessoal e artística, se confunde com a história do modernismo na Bahia e do próprio museu. O artista iniciou seu percurso em meados dos anos 1940, e desde o princípio demonstrou enorme interesse por elementos da cultura popular e se apropriou dessas temáticas com frequência. Ao mesmo tempo, teve acesso aos movimentos das vanguardas modernas que ecoavam no hemisfério norte, tendo inclusive estudado em Nova York. Talvez tenha sido essa aproximação entre o popular e o erudito que o conectou instantaneamente a Lina Bo Bardi, quando essa aportou em Salvador, no final dos anos 1950. Mario Cravo Jr. foi o primeiro interlocutor entre os artistas locais, se tornando amigo e um parceiro constante de Lina durante os primeiros anos do museu moderno, fundado em 1959.

Em 1960, realizou sua primeira individual no MAM Bahia, ainda quando este funcionava no foyer do TCA, e exerceu grande influência na instituição. Estimulou a realização de uma exposição de Agnaldo dos Santos, que havia sido seu assistente e o responsável por apresentá-lo aos carranqueiros do São Francisco, que viriam a se tornar uma referência importante em seu trabalho escultórico de madeira. Durante esse período, o artista já possuía reconhecimento nacional, tendo participado e recebido prêmios em diferentes edições da Bienal de São Paulo e de outras mostras no Brasil e outros países. Em 1966, após uma temporada nos Estados Unidos, retornou ao Brasil para assumir a direção do MAM Bahia, que estava vaga desde a saída de Lina, após o golpe de 1964. Sua gestão à frente do museu durou pouco mais de um ano, porém sua relação com a instituição se manteve sempre estreita. Participou de inúmeras exposições coletivas, realizou outras tantas individuais e agora se tornou o artista com o maior número de obras no acervo do museu. Além desse conjunto do Espaço Cravo, estão sendo incorporadas as esculturas dos Orixás que pertenciam aos Correios, que serão apresentados ao longo da exposição.

O museu já possuía mais de uma dezena de outros trabalhos importantes, incluindo a peça que está a mais tempo em exposição no MAM Bahia: o Antônio Conselheiro. A obra, que ficou instalada na frente do foyer do TCA, quando o museu funcionou por lá (1960 - 1963), ao mesmo tempo que confrontava o quartel em frente ao teatro, encantava a população tendo se tornado até local de peregrinação. A peça segue instalada no Parque de Esculturas do museu, ao lado de outras esculturas de sua autoria, ornada por uma cúpula / arco, de braços abertos mirando o infinito e o entorno, como um verdadeiro guardião, do legado de Mariozão.

Espaço fechado à visitação presencial.