Desexílios: passado presente

“Uma ocupação artística em defesa da vida criativa, da beleza, da verdade, das liberdades e da justiça”. Com estas palavras o Museu de Arte Contemporânea da Bahia (MACBa) define a exposição “Desexílios: passado presente” - do escritor, jornalista, artista visual e ativista de Direitos Humanos Jean Wyllys - que será inaugurada em 08 de Janeiro próximo (segunda-feira), mesmo dia em que os ataques terroristas da extrema-direita aos palácios dos três poderes da República comemoram um ano. “Desexílios: passado presente” chega ao Brasil depois de uma temporada de sucesso de crítica e público no Palau de La Virreira (Barcelona), um dos mais prestigiados equipamentos de cultura da Europa, e sob a curadoria do respeitado Valentim Roma.

Maria Helena - Diretora do Museu

A escolha de Salvador e do dia 08 de Janeiro para inauguração da ocupação de Jean Wyllys no Brasil não é por acaso. De acordo com Daniel Rangel, diretor do Mac Bahia e um dos curadores da exposição ao lado do carioca Fernando Salis, “os desenhos, pinturas e colagens de Jean, de uma beleza e conteúdos singulares, estão ligados à sua vontade de se encontrar e se reencontrar no exílio; sendo assim, a Bahia, Salvador, lugar em que ele floresceu como cidadão e jornalista antes de se tornar internacionalmente conhecido, deveria mesmo ser o primeiro lugar no Brasil a acolher a sua exposição; a lhe servir de recomeço”. Em relação ao dia 08 de Janeiro, Rangel explica que se tratou de uma escolha do artista, que queria muito que os terríveis ataques à democracia em Brasília na mesma data há um ano ganhassem um contraponto em termos de memória que fosse o oposto deles: “criação em vez de destruição; beleza em vez de feiura; diálogo em vez de violência física; estímulo ao pensamento em vez de burrice; verdade e informação em vez de mentiras; festa em vez de seita”, acrescenta Jean Wyllys .

Os temas da desinformação e das fake news - muito em evidência após os recentes suicídios provocados por elas - são um dos pontos principais da arte visual de Jean Wyllys. Utilizando jornais impressos do mundo inteiro como suporte para desenhos e pinturas que dialogam com as notícias estampadas, o artista propõe um debate sério sobre ecologia das mídias e sobre como estas moldam nossa forma de ver mundo e muitas vezes nos manipulam politicamente.

Jornalista formado pela FACOM da UFBa e com uma carreira que passa pela Tribuna da Bahia, Correio da Bahia, TV Globo, G Magazine, Carta Capital e UOL, além de ter ministrado aulas de Teoria da Comunicação em diferentes Universidades dentro e fora do país, Jean Wyllys sempre se mostrou preocupado com os impactos da comunicação de massa nas democracias e nos comportamentos das pessoas, mesmo quando deputado federal pelo Rio de Janeiro. Wyllys coordenou a Frente Parlamentar pela Democratização da Comunicação e o Direito à Informação, além de ter sido membro das comissões de Cultura e Direitos Humanos e Minorias por dois mandatos. Eleito para um terceiro, Wyllys teve de renúncia-lo em razão de ameaças de morte que lhe obrigaram ao exílio por cinco anos. Além de se dedicar às artes visuais, atualmente o baiano trabalha no portal de jornalismo londrino openDemocracy.

Wyllys diz que o que faz em termos de artes plásticas está dentro do que os especialistas chamam de arte contemporânea, herdeira rebelde da arte moderna. Contudo, ele diz não estar preocupado com os rótulos e prefere dizer que é um intelectual público que se expressa também por meio da pintura e do desenho. Daniel Rangel o chama de “artivista”, um tipo de artista contemporâneo que não separa arte de ativismo político e vice-versa. O curador Fernando Salis se mostra impressionado com o trabalho artístico de Wyllys, que é autodidata em todas as técnicas de pintura por ele utilizadas, mas que, segundo o curador, sabe usá-las de maneira singular e criativa para intervir politicamente no mundo. “Com sua subjetividade imersa na dimensão trágica da solidão, sua arte surgiu como amor à vida, como conexão com os seus mais altos valores, como o combate simbólico ao fascismo, como impulso lúdico de revisitar as suas mitologias pessoais, e principalmente de enfrentar a tirania dos algoritmos das Big Tech, a arte de Jean Wyllys já nasce principalmente e sobretudo para ocupar o espaço digital, mas não só este. Daí sua originalidade em termos de arte contemporânea”.

Jean Wyllys diz estar numa felicidade que não cabe em si por ter conseguido trazer essa exposição para o Brasil. “Ela brota do esforço pessoal em curar todas feridas que as mentiras e as violências políticas da extrema-direita me infligiram de 2016 até 2022, ano em derrotamos eleitoralmente os fascistas, mas também nascem do exercício de enfrentamento dos males que afligem ao humanidade como um todo neste momento: as guerras nacionalistas que não poupam nem as crianças inocentes; o terrorismo; os eventos extremos das mudanças climáticas; o racismo, a misoginia e a LGBTfobia que ceifam vidas ou limitam destinos; a pobreza e a desigualdade social; e o uso da mentira na política. Contra todos esses horrores, eu construo um universo de beleza, inteligência e solidariedade, valores sem os quais o mundo voltará à guerra de todos contra todos e à paz dos cemitérios”, arremata.

A abertura da ocupação “Desexílios: passado presente” é a primeira do projeto Rizomas, em que o museu abrigará artistas contemporâneos cuja arte busque interver politicamente em favor das diversidades, das liberdades e da democracia.

Marcello Queiroz

Espaço fechado à visitação presencial.