Rodin e seus amigos

Rodin à Baiana

As quatro esculturas de Auguste Rodin que pertencem ao Estado da Bahia estão de casa nova. A exposição "Rodin e seus amigos" demarca essa chegada e ocupa o saguão principal do Museu de Arte da Bahia. O MAB, nosso museu mais antigo, possui outras obras e artistas que dialogam com a produção de Rodin, e, para recepcioná-lo, destacamos uma escultura do também francês Pierre Jules Méne; outra do italiano Pasquale de Chirico; e um busto de autoria do brasileiro Ismael de Barros. Todos os artistas nascidos no século XIX, mestres da formalidade e da busca pela mimese perfeita.

Maria Helena - Diretora do Museu

A relação das obras de Rodin com o MAB é antiga, vai além da formalidade e justificativa, inclusive, a existência dessas esculturas na Bahia. Nele, foi realizada a exposição "Rodin - Esculturas e Fotografias", em 2001, entre 10 de janeiro e 17 de fevereiro daquele ano. A mostra foi um sucesso e atingiu 54.326 visitantes, no curtíssimo período em que ficou em cartaz. O fenômeno de público chamou atenção do diretor do Museu Rodin, de Paris, Jacques Vilain, que veio visitar a Bahia, acompanhado pelo então Diretor da Pinacoteca de São Paulo, o baiano e ex-diretor do MAB, Emanoel Araújo, quando planejaram a criação do Museu Rodin em Salvador, em conjunto com o Governo Estadual.

O local escolhido para a instalação do museu francês foi o Palacete Martins Catharino, prédio eclético onde funcionava um órgão da Secretaria Estadual de Educação. Após milhões de investimento em uma grande reforma, o prédio foi preparado para receber as peças de Rodin. Entre 2006 e 2007, justo antes da chegada das obras do comodato firmado, houve uma transição de Governo e os planos foram revisados. O pagamento anual de uma taxa milionária ao museu francês, a título de direitos autorais para uso do conjunto de obras e do nome do museu foi repactuado, sendo o prazo diminuído para três anos e as exigências de aquisições de obras, reduzidas para as quatro esculturas em bronze, aqui expostas.

Entre 2009 e 2012, um total de 62 peças de gesso ocuparam o prédio do Palacete Martins Catharino, que funcionou nesse período com o nome Palacete das Artes - Museu Rodin Bahia.

Após esse momento, as obras retornaram para a França e se perdeu o direito de uso do nome "Museu Rodin", ficando apenas o aposto "Palacete das Artes". O local passou então a funcionar como um centro cultural, uma vez que deixou de realizar a salvaguarda de uma coleção, que é uma condição “sine qua non” para que um espaço seja considerado um museu.

Com a instalação do novo Museu de Arte Contemporânea da Bahia no local, decorrente da revisão histórica dos acervos museológicos sob a salvaguarda do IPAC e da vontade de utilizar o espaço como um museu de fato, o quarteto foi transferido para o acervo do MAB.

Assim, resgatamos o momento inicial de Rodin na Bahia tornando as peças, automaticamente, destaques da coleção do Museu de Arte da Bahia, que é recheada de outros amigos e amigas de Rodin, agora mais felizes com chegada do mestre.

Bem-vindo de volta!

Museu de Arte da Bahia

Rodin no MAB

O que torna um artista transcendente? A todo tempo artistas são legitimados e reverenciados, impulsionados e evidenciados, esquecidos e negados, desconhecidos e recuperados. Entretanto, poucos são aqueles que viram canônicos na História da Arte Ocidental, que superam o anedotário da biografia, ultrapassam as conjunturas da sua legitimação crítica, e consagram obras além do seu momento histórico. E insisto em falar "em masculino" porque, infelizmente, as artistas mulheres de qualquer tempo apenas recentemente começaram a ter protagonismo nas narrativas hegemônicas machistas. Curiosamente, Rodin é um dos poucos homens artistas que muito público leigo em escultura conhece, talvez, pela tumultuada relação profissional e pessoal com Camille Claudel, uma das pouquíssimas mulheres artistas que tiveram algum reconhecimento em vida. Desde os anos 1980, dois ou três filmes abordam isso e não surpreenderia se virar série de streaming e, até, proporem "cancelar" Rodin pela relação abusiva com Camille.

Então, o que tornou Auguste Rodin um artista transcendente? A Paris do século XIX, sonho da maioria dos artistas de outrora, não explica o sucesso. Nascido há exatos 183 anos, em 12 de novembro de 1840, em uma família de poucos recursos, Rodin não teve origem privilegiada. Como adolescente, frequentou cursos livres de artes, mas nunca foi um aluno aplicado. Rejeitado três vezes pela Academia de Belas Artes de Paris, sua formação técnico-artística foi recheada de percalços. O jovem Rodin foi um autodidata que, até os 40 anos, se sustentou como artesão solitário de objetos decorativos e prestando serviços como assistente de artistas estabelecidos. Enquanto grandes artistas da sua geração, sobretudo pintores impressionistas, conquistaram receptividade e crítica ainda jovens, Rodin chamou a atenção apenas em 1877 quando apresentou a peça "A idade do bronze" no célebre Salão de Belas Artes de Paris. Muito se escreveu sobre o pioneirismo dessa obra no questionamento da escultura tradicional e a irrupção da escultura moderna graças à visibilidade pública dessa peça no Salão (frente outras criações inovadoras que somente mais tarde seriam conhecidas), à receptividade crítica imediata e aos paralelos artísticos contemporâneos de Rodin. Teve até acusação de fraude pela inspiração em Michelângelo! Portanto, estamos ante um sucesso relativo e um pouco a contrapelo das circunstâncias. O trabalho obstinado do Mestre começou a ser notado quando ele já estava com 37 anos e as encomendas chegaram de modo tardio respeito que ocorria com outros artistas. O reconhecimento do seu virtuosismo foi assinalado com a encomenda oficial da "Porta do Inferno" por decreto de 16 de agosto de 1880. Essa seria a obra mais importante, embora inconclusa, na qual Rodin trabalhou até a sua morte em 1917. Até início do novo século, conquistou uma enorme reputação, mas apenas em 1911 ocorreu a instalação do grande ateliê na mansão que hoje é o Museu Rodin. Já em 1903, o poeta Rainer Maria Rilke começava seu pequeno ensaio reconhecendo: "Rodin estava sozinho antes da fama. E a fama que chegou, quiçá lhe fez estar ainda mais só".

Portanto, seja por uma ótica feminista reparadora de Camille Claudel seja por uma biografia artística pouco favorável, para o grande público Rodin não parece muito louvável. Então, o que tornou sua obra transcendente? De modo suscinto, pode se dizer que ao mesmo tempo que Rodin resgata a tradição da escultura clássica, reivindica uma essencialidade da arte sem ornamentos estéticos e sem convenções técnicas. Nesse sentido, Rodin constitui uma inflexão entre um fazer acadêmico neoclássico e a irrupção da tridimensionalidade moderna. Muitos especialistas ressaltam a autonomia da escultura como linguagem respeito a uma narrativa temática, ou seja, suas obras não contam histórias ou passam uma mensagem previsível. As esculturas de Rodin existem no espaço sem relações predefinidas de contextos lógicos, relações de fundo e figura conhecidas e até recursos convencionais na construção do equilíbrio e da composição. Críticos também reconhecem uma ruptura das suas peças respeito ao fazer mecanizado da escultura acadêmica e comercial de fins do século XIX, operando uma dissociação da estrutura física, em termos de volume, massa e superfície do material, em relação ao processo de modelado com as marcas dos dedos e o inacabamento. Se você observar uma peça de Rodin, a estrutura da figura é a própria escultura e suas características formais incorporam o fazer do artista. Outras análises destacam um aspecto precursor no entendimento da reprodutibilidade da escultura através do processo de concepção em barro trasposto para moldes em gesso e produção em metal que antecipa a ideia de múltiplos.

Para mim um dos aspectos mais fascinantes das obras de Rodin é a subversão da anatomia, isto é, uma relação quase invertida entre a tensão muscular que subjaz à pele e o movimento ou postura dos corpos no espaço. O que conhecemos de um gesto ou uma ação física praticamente se inverte respeito ao que a peça apresenta. Outra característica que gosto é o tempo das figuras que parece estar suspenso, eterno, sem antes e sem depois.

E para você o que significa Rodin? Olhe com calma o "Homem que anda". Contemple o monumental "Jean de Fiennes" desde diferentes ângulos. Não se apresse na observação da angústia daquela figura deitada... Parece que há uma latência nesses seres, algo muito mais profundo que a vai além da superfície visível do bronze. É transcendente sim, mas não há resposta exata do por quê. Certamente há mais de um século essas obras falam da alma humana e o Mestre continua nos emocionando.

Alejandra Muñoz

Professora Doutora EBA/UFBA