Carybé e o povo da Bahia
A exposição "Carybé e o povo da Bahia" tem o mérito de apresentar publicamente, pela primeira vez, 227 desenhos originais em nanquim sobre papel de Carybé, que ilustraram seis, dos dez cadernos da Coleção Recôncavo, editados em 195l.
Carybé (Hector Julio Páride Bernabó, 1911-1997) veio à Bahia, pela quarta vez, em 1950 para fixar residência e sua atuação foi decisiva para a consolidação da linguagem plástica moderna na arte da Bahia.
Os desenhos de Carybé apresentam sínteses formais dos tipos sociais, dos costumes e da paisagem citadina de Salvador (lida como Bahia), onde buscava captar um frescor por meio da criação de imagens singulares, com a finalidade de construção e divulgação de um cenário apropriado à indústria do turismo no Estado, a partir de um ideário de "baianidade", mesmo em face das desigualdades e tensões sociais e raciais cronicamente existentes.
Os originais da Coleção Recôncavo foram reunidos em seis seções, dentre as nove que compõem a mostra, e a esse conjunto acresceram-se pinturas inéditas de vestes processionais (08), de desenhos de torços (12) e xilogravuras do álbum Sete Lendas Africanas da Bahia, de 1979 (07).
Outro mérito desta exposição é o diálogo com outras 25 obras do acervo do Museu de Arte da Bahia, por meio da exibição da escultura Nossa Senhora da Conceição, de autor anônimo do século XVIII, e de pinturas de artistas atuantes do século XIX: Franco Velasco, com um estudo para o painel da Igreja do Bonfim, de título A caminho do calvário, de 1818, e pertencente à Coleção Abbott (do núcleo inicial que originou a Pinacoteca e Museu do Estado, designado, na década de 1970, como Museu de Arte da Bahia); João Francisco Lopes Rodrigues, com pinturas de tipos de pescados, do gênero natureza-morta, datadas de 1861 e 1890; Rodrigues Nunes, com uma interpretação de Nossa Senhora da Conceição, de 1880. E trabalhos do século XX: Alberto Valença com o óleo sobre tela Mulata Baiana, de 1930; Diógenes Rebouças com a aquarela Antiga Feira de Água de Meninos ou Saveiros, de 1941; Emídio Magalhães, com a pintura Baiana, sem data; Presciliano Silva, com o desenho Cabeça de menina com turbante, de 1950; seis pinturas datadas de 1954, de João Alves, artista que conciliava o ofício de sapateiro com a aspiração artística; Carlos Bastos com a pintura idealizada da cidade, Vista de Salvador - Cidade Baixa, de 1954; Emanoel Araújo, com as xilogravuras Yemanjá, Oxalá, Omolu, Xangô, Otin e lyáMassê de 1969; e, por fim, obras em cerâmica na seção Feira de Água de Meninos.
Com pleno domínio das diversas técnicas artísticas, Carybé assomou seu talento e seu desenho ágil e cheio de movimento aos esforços renovadores da primeira geração moderna da Bahia, incluindo a realização de inúmeros murais e ilustrações para livros. Faz-se, contudo, necessário mencionar o agenciamento do Governo do Estado da Bahia, em termos de mecenato, que favoreceu a contratação de Carybé e, consequentemente, a maior parte da produção dos desenhos desta exposição, tendo em vista que ao desembarcar no porto de Salvador em l° de janeiro de 1950, Carybé trazia consigo uma carta de recomendação do escritor Rubem Braga, endereçada ao Secretário de Educação Anísio Teixeira, em que solicitava trabalho para o artista. Este tipo de mecenato não era, contudo, uma política de Estado e não se estendeu a outros artistas. Carybé foi aceito não somente na esfera governamental, como realizou importantes obras em instituições religiosas de matriz africana, chegando a receber o título de Obá de Xangô, no llê Axé Opô Afonjá, referendando sua trajetória artística de respeito e divulgação da iconografia sagrada.
Esta exposição no MAB está acontecendo em conexão direta com o MAFRO - Museu Afro-Brasileiro da UFBA que ao pesquisar para a exposição "Tem isso e aquilo nas 7 Portas de Carybé", nos provocou a investigar e expor este riquíssimo acervo de desenhos de Carybé, pouco conhecido até o momento. Ainda no bojo da construção dessa exposição, o MAB teve a honra em receber uma doação por parte da Fundação Pierre Verger, de uma significativa obra do fotógrafo Verger para integrar ao seu acervo e engrandecer o universo desta coleção.
Assim, ganha a arte da Bahia, ao ter seu povo registrado em seus meios de trabalho, representados nas séries Pesca de Xaréu, Rampa do Mercado e Feira de Água de Meninos, em suas manifestações de fé e festividades vistas nas seções Festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia, Lavagem do Bonfim e Festa de Yemanjá e que constituem o legado dessa fabulosa coleção. Seus traços compostos por linhas rítmicas, captam e intensificam os movimentos da cidade, da cultura e seu povo, por ele tão amados.
Comissão Curatorial de Acervo do Museu de Arte da Bahia