MAM no MAB e a genealogia dos museus baianos.

A história é um processo vivo que exige constante revisão. Se faz necessário retirar membranas que ficaram ocultas no passado para se pensar o presente e planejar o futuro. A circularidade espiral do tempo intercruza espaços e renova a historicidade "estabelecida" por meio de novas miradas, descobertas e narrativas.

Maria Helena - Diretora do Museu

A exposição MAM no MAB aborda a relação intrínseca existente entre os dois principais museus baianos, o Museu de Arte da Bahia - MAB e o Museu de Arte Moderna da Bahia - MAM. De acordo com a Lei nº 1.152, publicada no Diário Oficial do Estado de 23 de Julho de 1959, que "cria o Museu de Arte Moderna da Bahia", foram transferidas 87 obras da coleção do Museu do Estado atual MAB2 - para compor o acervo inicial do MAM Bahia. O museu moderno, portanto, teve sua origem diretamente conectada ao museu clássico, criado décadas antes, em um processo de renovação natural e necessária atualização.

O MAB também foi instituído no dia 23 de Julho, no entanto, no ano de 1918, sendo o oitavo mais antigo do país. O acervo inicial reuniu coleções públicas e privadas compostas por objetos históricos, fotografias, postais, numismáticas, mobiliários, objetos de decoração e obras de arte. A exemplo das peças registradas com os números 0001 e 0002 no "livro de tombo" do MAB, um revólver e um sabre da velha república, ambos desaparecidos nos dias atuais.

A inserção de obras de artistas atuantes e uma política de formação de um acervo voltado para a construção de uma narrativa histórica, no campo das artes visuais, se deu somente a partir dos anos 1930. Um movimento que se consolidou na década seguinte, com a entrada do historiador e crítico José do Prado Valladares³ na direção do MAB. Ele foi o responsável por inserir uma série de obras consideradas modernas no acervo do museu, e durante sua gestão foram incorporadas todas as obras que saíram do MAB para compor o acervo inicial do MAM Bahia.

Após a publicação da Lei ocorrem algumas mudanças relacionadas à seleção das obras que de fato foram do MAB para o MAM. Parte dessas divergências são conhecidas por pesquisadores da área, outras, no entanto, foram reveladas na presente investigação, que cotejou documentos e registros de ambos os museus. O livro de movimentações do acervo do MAB, que registra empréstimos e possíveis transferências das obras da coleção, revelam em detalhe os trâmites processuais que ocorreram. A primeira leva de obras transferidas de um museu para o outro, datada de 05 de novembro de 1959, foi assinada por Prado Valladares e Lina Bo Bardi, respectivos diretores do MAB e do MAM. No texto descritivo constam duas obras que não estavam na lista publicada - uma gravura de Mário Cravo Júnior e uma de Hansen Bahia - e ainda a justificativa para a não entrega de outras duas obras que constavam na publicação do D.O.E.

Uma das duas "Marinhas" listadas, de José Pancetti, foi transferida definitivamente para o acervo da residência do governador e nunca chegou a fazer parte da coleção do MAM. Já a pintura "Menina e Flores", de Djanira Motta e Silva, que naquela data se encontrava emprestada, foi transferida para o museu somente em 2 abril de 1960. Ainda referente à lista inicial das 87 obras do D.O.E, duas outras obras retornaram para o acervo do MAB posteriormente: uma das quatro pinturas de João Alves e o Álbum de Gravuras de Arnaldo Pedroso D'Horta. Além dessas, a obra "Casas de Itanhaém" de Alfredo Volpi, que também não constava na lista do D.O.E., foi transferida no dia 23 de maio de 1960, fechando o lote de composição do acervo inicial do MAM Bahia.

A pesquisa revelou ainda que a coleção inicial do museu moderno, não se restringiu à incorporação das obras do MAB. No mesmo período foram agregadas outras 14 obras ao acervo do MAM, que inclusive foram erroneamente registradas como oriundas do MAB, no livro de tombo do MAM de 1978. Esse arrolamento registrou a incorporação de 118 obras provenientes do Museu de Arte da Bahia, entre 1959 e 1960. No documento elaborado pelo museólogo Valentim Calderón constava ainda o Álbum de Gravuras de Pedroso D'Horta, listado como 20 obras distintas, porém já não estavam o Pancetti e o Alves, que de fato não chegaram ao museu. De acordo com essas informações hoje teríamos 98 obras no MAM que foram do MAB, subtraindo as gravuras. Ou seja, são muitos números distintos e informações desencontradas que dificultam afirmar qual número de obras exato saíram do MAB para o MAM. Seriam 87, 84, 86, 98, 118? De acordo com os dados apurados, as revisões e cotejamentos realizados, tendo a afirmar que foram transferidas as míticas 87 obras do MAB para o acervo inicial do MAM. Sendo que não foram as 87 que saíram no D.O.E., pois três obras podem ter sido "trocadas" no meio desse processo. Saíram um José Pancetti, um João Alves e o álbum de gravuras de Arnaldo D'Horta. Por sua vez foram incorporadas uma gravura de Mário Cravo Júnior, uma de Hansen Bahia e a pintura de Alfredo Volpi. Com relação ao acervo.

inicial do MAM Bahia, além dessas obras, incluo aqui as doações que Lina agregou durante o mesmo período. De acordo com a teoria aqui apresentada o acervo inicial do MAM Bahia foi composto por 100 obras, das quais 93 estão nessa mostra, divididas em três núcleos: Aquisições MAB x MAM; Doações MAB x MAM; e Doações MAM. As obras ausentes, 7 gravuras de Poty, se encontram em processo de restauro.

Em MAM no MAB buscamos escancarar e revisar a relação histórica entre os dois principais museus daqui, em um momento que está sendo gestado um terceiro museu voltado para as artes visuais: o Museu de Arte Contemporânea da Bahia - MAC Bahia. Assim como aconteceu outrora, o presente resgata do passado constituído o que é pertinente agora, para rever o que veio antes e planejar o depois. Como afirma a lenda iorubá, "Exu acertou o pássaro ontem com a pedra que atirou hoje". Porém, essa é outra história que está por vir.

Curadoria DANIEL RANGEL

Espaço fechado à visitação presencial.