Claudio Masella nasceu em Roma (Itália), em 2 de agosto de 1935. Morou por muito tempo na África desenvolvendo atividades no setor de fabricação de móveis. Era um amante da arte africana, tendo colecionado por mais de três décadas objetos de formas, origens e significados diversos. Após ter se casado com a brasileira Conceição Ramos Masella, conheceu Salvador (BA) e se apaixonou pelo povo baiano, manifestando interesse em deixar sua coleção acessível à população da cidade, por ser a capital do país com maior proporção de afrodescendentes. Seu objetivo era que esse acervo pudesse contribuir para a difusão da beleza e do conhecimento sobre a história da arte africana.
A coleção, que totaliza 1.039 objetos, foi doada ao Governo da Bahia em 2004. Após chegar em Salvador, grande parte dos objetos recebeu ações de conservação e restauro. Também foram feitos o inventário museológico e a pesquisa de identificação das peças, tendo em vista que não havia documentação primária e que o colecionador faleceu em 2007 sem deixar registrado seu depoimento sobre a constituição do acervo.
A pesquisa revelou que 90% das peças identificadas são provenientes da África Ocidental, sendo mais recorrentes os objetos vindos da Nigéria, Gana, Costa do Marfim e Burquina Faso. Foram reconhecidos estilos de mais de 20 sociedades africanas, sendo mais numerosas as peças provindas dos iorubás, povos akan, senufo, dan e bobo/bwa.
Quanto à matéria-prima, 67% dos objetos da coleção foram feitos em madeira e 31% em ligas de cobre. A madeira tem significado mitológico e religioso, pois é extraída das árvores que são consideradas, em muitas sociedades africanas, o lugar de morada dos ancestrais. As ligas de cobre, como o bronze e latão, são consideradas nobres e frequentemente associadas à realeza por sua semelhança ao ouro na cor e na resistência à corrosão.
Pela análise morfológica e pelo seu histórico podemos situar a coleção na fase pós-colonial ou contemporânea, produzida a partir da segunda metade do século XX. Nesse período, sobretudo após as independências dos países africanos, temos no campo das artes escultóricas o incremento das inovações de material, estilo e função dos objetos.
As peças desta sala foram divididas em dois grupos. De um lado estão obras que preservam as características morfológicas típicas dos objetos usados no cotidiano, ou que desempenhavam papel nos rituais e cerimônias tradicionais. Essas peças possuem atributos formais que dariam aptidão ao uso em contexto, mas não há documentação que permita afirmar que são etnográficas. Destacam-se os objetos de madeira que exibem os estilos étnicos característicos de diversas sociedades e dos bronzes provenientes de Camarões, que até hoje são produzidos para a corte dos pequenos reinos aparentados localizados na região de campos (grasslands), como os bamum e bamileke.
No segundo grupo estão peças que denunciam as transformações sociais experimentadas pelas sociedades africanas. Com a intervenção colonial das potências europeias, muitas instituições tradicionais africanas que utilizavam máscaras e estatuetas foram desestruturadas. Assim, a produção dos escultores tradicionais teve que se voltar também ao comércio, pois a valorização da arte africana no Ocidente criou a demanda por parte de colecionadores. Por isso, as obras que se encontram nesse grupo já foram feitas para serem vendidas como objetos decorativos e itens de coleção.
Algumas das esculturas desse segundo grupo são reproduções de achados arqueológicos ou peças etnográficas famosas, como as cabeças de Ilê Ifé e os bronzes do Reino do Benin. Ainda há esculturas que mesclam estilos de diferentes sociedades, pois há escultores africanos muito habilidosos que aprenderam as técnicas e os estilos de outros grupos étnicos, em virtude da maior fluidez das fronteiras culturais na atualidade. Nessa nova forma social de produção podem ocorrer diversas mudanças que afetam as características dos objetos, como a troca da matéria-prima por uma mais acessível ou de menor qualidade, omissão de detalhes e acabamentos muito trabalhosos ou a redução do tamanho da peça. Essa arte perdeu sua função religiosa, mas introduziu o imaginário e as fontes de inspiração da África no plano da estética universal. Isso denota que a arte africana resiste, inserindo-se no circuito mercantil internacional da arte "tradicional".
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