A flecha certeira de Ayrson Heráclito
Adeptos do Candomblé utilizam com frequência o pedido de "agô", palavra iorubá, que significa "licença", em português. Pedem "agô" quando adentram um espaço, quando estão de passagem, quando querem falar, sobretudo se dirigindo a um "mais velho". Em suma, "agô" é uma deferência para com aqueles ou aquelas que ali estão e vieram antes.
A exposição "Agô - Ayrson Heráclito" foi escolhida como mostra inaugural do Museu de Arte Contemporânea da Bahia - MAC_Bahia, também como uma deferência. Inicialmente reconhece a importância de Ayrson Heráclito, cuja rigorosa trajetória o colocou entre os principais artistas contemporâneos brasileiros da atualidade. Ao mesmo tempo que evidencia sua produção, ressalta o que essa representa em termos estéticos simbólicos, históricos e afetivos - colocando esse referencial como farol de uma contemporaneidade daqui - de Salvador, da Bahia.
Oxóssi, também chamado Odé ou ainda Oxotocanxoxô, é conhecido por possuir uma mira certeira. Nos ensina uma de suas lendas, que ele é o caçador e rei das matas, um provedor nato, que combina beleza e elegância com inteligência e coragem. "O guerreiro que precisa apenas de uma única flecha, pois nunca erra seu alvo". Ayrson Heráclito é um típico filho de Oxóssi, cujo trabalho é como uma flecha certeira que vem rasgando a historicidade estabelecida do meio artístico brasileiro com um manancial de referências fundamental para as revisões e novos engendros necessários no presente.
Uma produção poética visual potente que ressignifica a posição a qual o legado afro-brasileiro foi submetido no panteão histórico e coloca a arte como elemento detonador de processos energéticos. Obras que são criações multidisciplinares cujo processo de construção se dá de forma imagética, intelectual e espiritual. Seus trabalhos encontram esteio em preparações ritualísticas de oferendas do Candomblé. Uma contínua e criteriosa renovação das tradições, nas quais ele se apropria de estratégias artísticas e filosóficas, provocando experiências políticas, estéticas, sociais e, claro, afetivas.
A exposição "Agô - Ayrson Herácito" é ainda uma oferenda para o novo museu. Reúne um conjunto de trabalhos de tempos distintos e suportes variados que aglutinam a forca universal da arte contemporânea baiana e brasileira da atualidade. Um padê ritualístico e simbólico, banhado por litros de dendê, água salgada, água doce e muitas folhas. Porque sem isso não há nada. Um clamor de benção e licença como uma deferência para com aqueles e aquelas que estão aqui agora graças àqueles e àquelas que vieram antes. Pedimos "agô" para abrirem os caminhos do MAC _Bahia, com muito axé! Agô.
Daniel Rangel
curador
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