O importante crítico de arte italiano Giulio Carlo Argan, que ressaltou a geometria e a perfeição dos triângulos, quadrados, círculos e das linhas horizontais e verticais das obras de Valentim, destacou ainda que era "necessário expor, antes que eles (os signos simbólicos-sagrados) apareçam subitamente imunizados, privados, das suas próprias virtudes originárias, evocativas ou provocatórias: o artista os elabora até que a obscuridade ameaçadora do fetiche se esclareça na límpida forma de mito". Valentim não buscou uma representação literal dos orixás ou de insígnias religiosas, mas insistiu na invenção de um modo ressignificado de apresentar essas simbologias relacionado com uma identidade autoral que chamou de "riscadura brasileira".
O Templo de Oxalá é um dos momentos ápices dessa invenção linguística, pois reúne a potência plástica formal com a força espiritual e energética que emanam dos trabalhos. De acordo com artista e curador Emanoel Araújo, o Templo de Oxalá foi o "momento de inspiração [...] mais profundo da grande e generosa obra do genial artista, que soube unir o sopro universal e as profundas raízes ancestrais de sua criação". Após ser restaurado e circular por São Paulo e Brasília na mostra llê Funfun, ao longo de 2022, o conjunto retorna ao MAM Bahia, para a Sala Rubem Valentim, inteiramente reformada para receber as obras. Organizada originalmente pelo artista Bené Fonteles, um dos principais responsáveis pela doação dessas obras ao museu, a Sala Rubem Valentim passa a contar com uma linha do tempo sobre a vida e obra do artista e vitrines com fac-símiles e documentos históricos cedidos pelo Instituto Rubem Valentim, resultantes da mostra itinerante. A nova montagem resgata ainda conceitos históricos da apresentação original das obras na Bienal de 1977, em celebração ao centenário de nascimento do artista.
O Templo de Oxalá é um conjunto referencial fundamental para a história da arte brasileira, sobretudo para o momento atual de grande visibilidade e necessária inserção de artistas negros no circuito de arte contemporânea. Conforme concluiu Herkenhoff "com Valentim, a cultura negra no Brasil chega integralmente com seu sentido espiritual original à arte. Chega sem intermediações estilísticas e negociações políticas que renunciassem à identidade". Sem dúvidas, ele conseguiu inventar uma linguagem artística própria, impregnada "por uma cultura genuinamente brasileira", conforme almejava. O artista se definia como "um homem desesperado que procura a Divindade, o Ser dos Seres". Que ele esteja na paz de Oxalá! Epa babá!
Daniel Rangel
Curador MAM Bahia
Voltar para a página da exposição
Voltar para a página inicial